sábado, 29 de novembro de 2014

A Escola e as possibilidades



                 

               A escola é um ambiente repressivo. As escolas convencionais, dotadas das estruturas que os educadores estão fartos de conhecer servem pra alinhar os alunos com os interesses da classe dirigente. É assim dentro do sistema capital, que move nossas instituições a seu bel-prazer. Na escola pública municipal, isso toma dimensões absurdas. É a escola do não, da negação dos prazeres e das vivências. Tudo isso recheados com uma direção acovardada pelas coordenadorias e por professores sem condições de trabalho, mal remunerados e por isso mal humorados, sem paciência com crianças que não tem limites, porque também por suas vezes não tem estrutura alguma, nem familiar, nem nutricional, nem institucional.
                Em meio a esse cenário, na primeira semana de outubro do ano de 2011, presenciei um fato marcante, pelo menos pra mim. Estava eu em minha sala de terceiro ano primário, com meus aluninhos quando uma outra professora do CIEP veio até a mim e pediu para que eu olhasse a sua sala, mas fingindo estar fazendo outra coisa. Em suma, queria que eu chegasse na surdina pra que eu pudesse ver uma determinada cena. Que cena era essa? Uma das alunas, que tem entre nove e dez anos, de nome Maria, que por acaso é uma das mais indisciplinadas daquela turma, porque não está dentro dos padrões, porque não acata ordens, porque não aceita autoridade, nem hierarquia, essa aluna estava encaixada com seu quadril na quina da mesa. Com seus pezinhos pequenininhos pra cima, fazia movimentos pélvicos regulares, lentos, sem se importar muito com o que estivesse acontecendo.
Ficou claro que a professora, pelo menos me pareceu, não estava atenta à intensidade daquele gesto. Eu poderia chegar com um caminhão que a concentração da moça não se abalaria. A turma estava agitada, nenhum dos alunos deu muita atenção, mas os adultos logo se chocaram com a busca do prazer de Maria. E ela ficou ali, encaixada nesse movimento. Eu não presenciei até o final, mas a professora da turma confidenciou depois que depois de um certo tempo a aluna deu aquela tremidinha e logo depois saiu da quina da mesa. Ora, chegamos a conclusão que a pequena Maria atingiu um orgasmo, um gozo.
Ora, não sei quanto a vocês, mas o gozo de Maria é uma sinalização claríssima. Nossos alunos tem potenciais tremendos. Quantos de nós, civilizados e aburguesados temos a condição sociológica de buscarmos o gozo de modo tão pueril? A sociedade nos obriga, para sermos levados a sério, para sermos aceitos como bons cidadãos, para sermos vistos como modelo, devemos negar nossos instintos, devemos perder aquilo que nos torna humanos, devemos ser mal humorados e devemos, além de tudo, dependendo das nossas posições, castrar o gozo alheio. Ora, por mais professor que eu seja, por mais que eu esteja submetido a uma direção que tende a pasteurizar o alunato, não se pode impedir-me de glorificar o gozo de Maria.
Maria, para a Secretaria de Educação está estudando, para no futuro ser uma boa doméstica, ou uma boa atendente do Mc Donald’s. Em sua turma, existem alguns alunos que precisavam de um acompanhamento psicológico agudo. Famílias que precisam do básico, que não tem o básico. Saúde, alimentação, moradia digna, saneamento e tudo que o governo poderia lhes oferecer. E nisso, a direção da escola tenta fazer o possível, mas é pouco. Os professores são tão oprimidos quanto Maria. Ficam muito receosos em contrariar ordens expressas de uma direção que nesse sentido se mostra alinhada com a ordem. Ah, a ordem. Quanto devemos nos privar, por uma ordem que só é respeitada nos baixos estratos? Ou alguém duvida da quantidade de cocaína que corre nos espaços mais abastados? Temos listas completas de celebridades movidas a pó, mas a eles nunca é exigido o respeito a ordem. Na verdade, vejo no gozo de Maria uma resposta a tudo isso, ela simplesmente ligou o foda-se e gozou na quina da mesa. Não que isso faça dela uma aluna melhor, ou com um futuro melhor, mas espero que ela consiga gozar mais vezes, espero sinceramente que ela goze mais do que quem tenta recriminá-la.

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